Já que citei Monteiro Lobato, aqui um ótimo texto em defesa do escritor
Por Anarquista Lúcida:
Cito aqui uma longa passagem de um livro sobre ele que tenho em casa; pus em negrito o trecho que considero mais relevante:
Vem do choque com os colonos e com os caboclos que praticavam a queimada e a revolta de Lobato contra o regionalismo romântico, que exaltava o caboclo. Essa revolta foi materializada nos artigos “Velha Praga” e “Urupês”, que, quando finalmente publicados em livro, quatro anos depois, iriam provocar imensa celeuma nacional. Lobato acusava o regionalismo romântico de ser uma literatura fabricada na cidade por sujeitos que jamais tinham penetrado no campo: o caboclo mostrado em suas obras não passaria de um herdeiro do “índio” de Alencar, presenteado com as mesmas virtudes e grandezas, em completo desacordo com a realidade. Um tal regionalismo seria fruto do divórcio entre os brasileiros cultos e as coisas da terra, divórcio esse aumentado, segundo ele, pela massiva colonização mental, pela dependência em relação a tudo que viesse do exterior, e principalmente pela tendência ufanista nacional, que preferia ignorar os problemas e escondê-los sob capas de retórica.
O retrato que faz do caboclo em “Urupês”, em oposição a essa literatura toda, é terrível. Incapaz de evolução, preguiçoso (sacerdote da lei do menor esforço), supersticioso, sem espírito cívico, sem arte... eis o caboclo visto pela ótica do proprietário lesado. Era um retrato condenador da vítima, e o próprio Lobato o reconheceu mais tarde; faltava-lhe simpatia humana, e sua verdade, apenas exterior, descritiva, não ia às causas. O interesse assim criado, no entanto, evoluiu para uma problematização cada vez mais consciente das questões brasileiras.
No espaço de tempo decorrido entre a primeira aparição de “Velha Praga” e “Urupês”, no jornal O Estado de São Paulo e sua publicação definitiva, Lobato colaborou na Revista do Brasil (de que mais tarde foi diretor), cujo programa era formar uma consciência nacionalista: o artigo de abertura proclamava que pensávamos com a cabeça do estrangeiro. A atenção dada ao Brasil e sua realidade vai levá-lo a participar de uma pesquisa sobre o saci pererê e o nosso folclore. Levou-o inclusive a uma autocrítica dos seus primeiros ataques ao caboclo, de que, numa revalorização algo “literário”, no sentido pejorativo que às vezes dava a essa palavra, chegou a dizer que seria a melhor coisa que produzimos, homem autenticamente brasileiro, em contraposição aos nossos pseudo-intelectuais culturalmente colonizados, macaqueadores da Europa.
A simpatia mostrada pelas coisas nacionais, no entanto, manteve-se sempre dentro da mesma mentalidade crítica que o fizera abominar os mitos românticos. Não caiu nunca no nacionalismo ufanista e patrioteiro oficial, antes pelo contrário, notabilizou-se por tocar com o dedo em nossas chagas, à busca de solução para elas.
A publicação de Urupês provocou enorme controvérsia nacional, tendo dado motivo inclusive a discursos no Congresso. Lobato foi acusado até de receber dinheiro da Argentina para depreciar e ridicularizar homens e coisas do Brasil. Os discursos e artigos que o culpavam disso mostravam quase invariavelmente grande preocupação para com “nossa imagem no exterior”, porém nenhum anseio pela verdade das coisas... Também quando, em sua busca das causas dos males do jeca, Lobato encontrou uma primeira tentativa de explicação em termos sanitários e passou a liderar campanhas jornalísticas em prol do saneamento do país, não faltou quem lhe opusesse que nossa organização sanitária era modelar, muito superior à da própria França...
Todas essas coisas levaram Lobato a considerar a falta de conhecimento das coisas nacionais como o maior obstáculo para a resolução de nossos problemas. Os governantes se veriam condenados a soluções políticas _ e retóricas _ para problemas econômicos e sociais que não podiam resolver porque não queriam diagnosticar: “Procuram soluções políticas, mudam a forma de governo, derrubam um imperador vitalício para experimentar imperantes quadrienais; fazem revoluções, entrematam-se, insultam-se, acusam-se de mil crimes, inventam que o pântano permanece pântano ‘porque há uma crise moral crônica’. O mal das rãs é julgar que sons resolvem problemas econômicos. Trocam o som ‘monarquia’ pelo som ‘república’. Depois inventam sons inéditos _ ‘reajustamento’, ‘congelados’, ‘integralismo’ (...) ‘somos o maior país do mundo’, ‘nossas riquezas são inesgotáveis’, etc.”.
Rapidamente ele vem a pôr o dedo na “causa da causa”, a dominação social: “Sobre a miséria infinita desses desgraçados está acocorada a nossa ‘civilização’, isto é, o sistema de parasitismo que come, veste-se, mora e traz a cabeça sob a asa para evitar o conhecimento da realidade” (PE 71). A verdade não interessaria à “gente de cima, a única que conta nessa terra” (PE 71), donde o apelo à morfina da mentira oficial sistematizada, imposta em horas nacionais obrigatórias, etc. Fato que seria possibilitado, além do mais, pela mentalidade geral defeituosa criada pela influência de religião católica, que Lobato acusava de ser o instrumento ideal para a permanência do status quo, ao enfiar idéias de conformismo social na cabeça dos pobres em troca da felicidade da “outra vida”.
Apesar de toda essa consciência crítica, o posicionamento de Lobato face ao povo não conseguiu escapar ao elitismo aristocrático de sua classe de origem. Era a posição de um homem de elite que assume a responsabilidade social própria dessa situação, atitude paternalista e cheia de contradições. Assim, se nos seus prefácios constam algumas declarações segundo as quais o povo, no mundo inteiro, estaria ficando mais consciente e preparando-se para se subtrair ao seu jogo secular (por ex, na “Carta Prefácio aos Poemas Atômicos de Cesidio Ambrogi”), é freqüente aparecerem, noutros trechos, comparações do povo com carneiros ou com uma boiada. Como bois ou carneiros, o povo seria dócil, ignorante, capaz de explosões perigosas... (Precisando, pois, de bons pastores...) Infelizmente a edição dos Prefácios e Entrevistas que tenho não dá a data dos escritos que compõem o livro. Quer-me parecer que a evolução das posições de Lobato face ao povo foi contínua, e que deve ter sofrido um salto especialmente depois de 1941, data de sua prisão. (Cavalheiro nos mostra um Lobato surpreso e indignado com as torturas sofridas pelos presos comuns, admirador de um colega de célula operário preso por ter em casa livros “subversivos”, lançando mão de suas relações de amizade para ajudar os companheiros, arranjar-lhes empregos, etc).
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-elogio-de-monteiro-lobato-a-kkk
Meu comentário
AL, é possível que Monteiro Lobato tenha se retificado, as nossas visões sobre estética, política e relações sociais não são estáticas, corremos o risco de cometer injustiças quando isolamos frases ditas num determinado momento, não podemos ser rígidos, pois agindo assim podemos cometer injustiças, sem dúvida o saldo de ML para com o Brasil é positivo, o Mágico de Oz nem chega perto do Sítio
É visível o afeto de Monteiro Lobato para com personagens negros como Dona Benta e Tio Barnabé. Do ponto de vista político, ML era sim progressista, jamais regressista e chegou a ser preso por causa do seu engajamento na campanha "O Petróleo é Nosso". O escritor fez parte do pré-modernismo, que defendia valores nacionais. O natural seria ele ter-se engajado totalmente no modernismo, o que não ocorreu tendo em vista as críticas bastante ácidas a Anita Malfatti. Ao que tudo indica ele(Lobato) por apegar-se por demais aos ditos valores nacionais, não concordou com a importação de ingredientes internacionais, por sinal a marca da Semana de 22 era a antropofagia, que consistia em digerir o estrangeiro. Este processo de sair da canoa ocorreu também com o poeta Ferreira Gullar, o qual foi um dos criadores do concretismo mas que, após ter aderido ao neoconcretismo, abandonou o barco, ou seja, deu uma guinada no sentido do conservadorismo. Vai saber que medos habitam esta gente.
Quanto a Lobato ser racista por causa de alguma frase isolada, não creio, até mesmo porque é inegável o carinho do escritor ao falar através de personagens negros como Tia Benta e Barnabé. Muito complicado julgar o escritor por causa de possíveis derrapadas, o que vale é o conjunto da sua obra. De qualquer forma, para discusssão, segue o texto sobre o ´racismo` de Lobato:
O elogio de Monteiro Lobato à KKK
Folha de S.Paulo - Mônica Bergamo - 26/04/2011
CONFISSÕES DE LOBATO
A revista "Bravo!" publica em maio cartas inéditas do escritor Monteiro Lobato. "Um dia se fará justiça ao Ku Klux Klan; tivéssemos uma defesa dessa ordem, que mantém o negro no seu lugar, e estaríamos livres da peste da imprensa carioca -mulatinho fazendo o jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do negro destrói a capacidade construtiva", escreveu em 1938 o escritor, censurado pelo governo por racismo.
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-elogio-de-monteiro-lobato-a-kkk
Meu comentário
A depender de Monteiro Lobato ainda estaríamos no parnasianismo, como se sabe ele fez dura campanha contra a Semana de Arte Moderna de 22.
Lobato, expoente do pré-modernismo de conteúdo nacionalista e em defesa dos valores nacionais, detonou Anita Mafaltti por conta de uma exposição modernista em 1917.
Talvez sem querer, o escritor "cortou a mão" de Anita.
É quando penso sobre a necessidade de uma instituição onde as pessoas pudessem se expressar de forma livre, uma espécie de Poder Curador, que existiria no lugar do Poder Judiciário, pois se isso existisse é bem provável que Anita, envergonhada com sua arte, teria produzido longe de Lobato, no espaço da liberdade, quem sabe do consultório médico, assim a artista teria recuperado sua mão, aliás, Lobato aponta a patologia na arte moderna como sinal de degeneração, como como uma excrescência, quando na verdade é o contrário.
Segue trecho dando-nos conta de Lobato detonando os modernistas:
"(....) Paranóia ou mistificação
Usando como título: «Paranóia ou mistificação – A propósito da exposição Malfatti,», Lobato ataca as «escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos de cultura excessiva... produtos do cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência» e, depois, explica o título de sua catilinária:
«Embora se dêm como novos, como precursores de uma arte a vir, nada é mais velho do que a arte anormal ou teratológica: nasceu como paranóia e mistificação.
«De há muito que a estudam os psiquiatras, em seus tratados, documentando-se nos inúmeros desenhos que ornam as paredes internas dos manicômios. A única diferença reside em que, nos manicômios, essa arte é sincera, produto lógico dos cérebros transtornados pelas mais estranhas psicoses;
«e fora deles, nas exposições públicas zabumbadas pela imprensa partidária mas não absorvidas pelo público que compra, não há sinceridade nenhuma, nem nenhuma lógica, sendo tudo mistificação pura.»
Abalo e desorientação
Nem as palavras mas afáveis, ou menos agressivas, despejadas ao final do artigo, nem os elogios ao seu talento, colocados no início, poderiam desfazer tamanho estrago sobre a personalidade tímida e irresoluta de Anita, que caiu em forte depressão, vivendo um período de desorientação total e de descrença, um sentimento que carregou pelo resto da vida.
Sua primeira reação foi o abandono total à arte. Depois, passado um ano, dando uma guinada de 180 graus, foi tomar aulas de natureza-morta com o mestre Pedro Alexandrino Borges (1856-1942), ocasião em que conheceu Tarsila do Amaral, início de uma longa e proveitosa amizade.
Tarsila foi para a Europa e Anita passou a estudar com outro mestre conservador, Jorge Fischer Elpons (1865-1939), também especialista em naturezas-mortas.
Instada por amigos, participou da Semana de Arte Moderna de 1922 e, no ano seguinte, com uma bolsa de estudos, viajou a Paris, onde se encontrou com Tarsila, Oswald, Brecheret e Di Cavalcanti. De lá voltou, com a confiança recuperada, mas disposta a não se atirar em novas aventuras.
Sua arte, a partir daí, virou uma salada russa, logo notada pelos críticos: «A Sra. Malfatti faz o viajante percorrer os séculos e os gêneros. É primitiva, clássica, e moderna avançada, faz retratos e naturezas-mortas.»
Um mundo alienado
A exposição de 1917 se deu em momento errado, no local errado e com a pessoa errada. As críticas de Lobato não se dirigiam a ela mas aos modernistas, com quem o escritor tinha um ajuste de contas. Anita Malfatti se viu no meio do tiroteio e foi atingida mortalmente pelas balas perdidas.
Considerada por Pietro Maria Bardi como a maior pintora brasileira, ela jamais se recuperou do golpe sofrido. Como diria mais tarde Mário de Andrade: «Ela fraquejou, sua mão, indecisa, se perdeu.»
Já com idade madura, Anita mudou-se, com sua irmã Georgina, para uma chácara em Diadema (SP), onde morreu em 6 de novembro de 1964, alienada do mundo, cuidando do jardim e vivendo seus próprios devaneios. (Paulo Victorino).
MÁRIO DE A
http://www.pitoresco.com.br/brasil/anita/anita.htm
"(...)
A exposição de Anita Malfatti provocou uma grande polêmica com os adeptos da arte acadêmica. Dessa polêmica, o artigo de Monteiro Lobato para o jornal O Estado de S. Paulo, intitulado: “A propósito da Exposição Malfatti”, publicado na seção “Artes e Artistas” da edição de 20 de dezembro de 1917, foi a reação mais contundente dos espíritos conservadores.
No artigo publicado nesse jornal, Monteiro Lobato, preso a princípios estéticos conservadores, afirma que “todas as artes são regidas por princípios imutáveis, leis fundamentais que não dependem do tempo nem da latitude”. Mas Monteiro Lobato vai mais longe ao criticar os novos movimentos artísticos. Assim, escreve que “quando as sensações do mundo externo transformaram-se em impressões cerebrais, nós ‘sentimos’; para que sintamos de maneira diversa, cúbica ou futurista, é forçoso ou que a harmonia do universo sofra completa alteração, ou que o nosso cérebro esteja em ‘pane’ por virtude de alguma grave lesão. Enquanto a percepção sensorial se fizer normalmente no homem, através da porta comum dos cinco sentidos, um artista diante de um gato não poderá ‘sentir’ senão um gato, e é falsa a ‘interpretação que do bichano fizer um totó, um escaravelho ou um amontoado de cubos transparentes”.
Em posição totalmente contrária à de Monteiro Lobato estaria, anos mais tarde, Mário de Andrade. Suas idéias estéticas estão expostas basicamente no “Prefácio Interessantíssimo” de sua obra Paulicéia Desvairada, publicada em 1922. Aí, Mário de Andrade afirma que:
“Belo da arte: arbitrário convencional, transitório - questão de moda. Belo da natureza: imutável, objetivo, natural - tem a eternidade que a natureza tiver. Arte não consegue reproduzir natureza, nem este é seu fim. Todos os grandes artistas, ora conscientes (Rafael das Madonas, Rodin de Balzac.Beethoven da Pastoral, Machado de Assis do Braz Cubas) ora inconscientes ( a grande maioria) foram deformadores da natureza. Donde infiro que o belo artístico será tanto mais artístico, tanto mais subjetivo quanto mais se afastar do belo natural. Outros infiram
o que quiserem. Pouco me importa”. (Mário de Andrade, Poesias Completas)
Embora existia uma diferença de alguns anos entre a publicação desses dois textos, eles colocam de uma forma clara as idéias em que se dividiram artistas e críticos diante da arte. De um lado, os que tendiam que a arte fosse uma cópia fiel do real; do outro, os que almejavam uma tal liberdade criadora para o artista, que ele não se sentisse cerceado pelo limites da realidade.
Essa divisão entre os defensores de uma estética conservadora e os de uma renovadora, prevaleceu por muito tempo e atingiu seu clímax na Semana de Arte Moderna realizada nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo. No interior do teatro, foram apresentados concertos e conferências, enquanto no saguão foram montadas exposições de artistas plásticos, como os arquitetos Antonio Moya e George Prsyrembel, os escultores Vítor Brecheret e W. Haerberg e os desenhistas e pintores Anita Malfatti, Di Cavalcanti, John Graz, Martins Ribeiro, Zina Aita, João Fernando de Almeida Prado, Ignácio da Costa Ferreira, Vicente do Rego Monteiro e Di Cavalcanti (o idealizador da Semana e autor do desenho que ilustra a capa do catálogo).
Manifesto Antropofágico
Publicado na Revista Antropofagia (1928), propunha basicamente a devoração da cultura e das técnicas importadas e sua reelaboração com autonomia, transformando o produto importado em exportável. O nome do manifesto recuperava a crença indígena: os índios antropófagos comiam o inimigo, supondo que assim estavam assimilando suas qualidades.
A idéia do manifesto surgiu quando Tarsila do Amaral, para presentear o então marido Oswald de Andrade, deu-lhe como presente de aniversário a tela Abaporu (aba = homem; poru = que come).
Estes eventos da Semana de Arte Moderna foram o marco mais caracterizador da presença, entre nós, de uma nova concepção do fazer e compreender a obra de arte.
http://www.historiadaarte.com.br/semanade22.html
Obras de Anita Malfatti, reprovadas por Monteiro Lobato
Imagem do livro "Anita Malfatti: Tomei a Liberdade de Pintar a Meu Modo"
Imagem do livro "Anita Malfatti: Tomei a Liberdade de Pintar a Meu Modo"
Divulgação
Imagem do livro "Anita Malfatti: Tomei a Liberdade de Pintar a Meu Modo", de Luzia Portinari Greggio. Na foto, a obra "O Homem Amarelo"
Imagem do livro "Anita Malfatti: Tomei a Liberdade de Pintar a Meu Modo"
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