Olha que legal. Fuçando arquivos antigos, descobri sem querer uma entrevista que fiz com o escritor Moacyr Scliar, para o jornal/site (era impresso e online) que eu editava, intitulado Arte & Política. Nem lembro de quando é: acho que de 2003 ou 2004. Publico aqui como um tributo ao escritor, que faleceu recentemente.
Arte & Política: Onde você se inspira para escrever seus livros?
Em qualquer coisa: um episódio da história do Brasil ou do mundo, uma pessoa que conheci, uma notícia de jornal, uma fantasia. A inspiração é importante, mas é como o motor de arranque: ele só dá a partida, não faz andar o carro. O que faz andar o carro é a técnica literária, o domínio da palavra, a disposição de contar a história.
Para você, como a TV e o cinema mudaram a sensibilidade das pessoas e em que isso afetou a literatura?
Certamente. Mudaram para melhor. Vou dar um exemplo: nos romances antigos, havia longas descrições de paisagens, de personagens. Não mais: nisto o escritor, por mais sensível e talentoso que seja, não pode competir com a câmera. Mas esta, por sua vez, não pode penetrar na mente dos personagens. Isto tornou a ficção mais intimista. Por último, os livros ficaram menores: por causa da tevê e do cinema, as pessoas têm menos tempo para ler. Mas livros mais curtos também é um avanço: exigem maior poder de síntese.
Nesse ano, em que o Quixote completa 400 anos, que lições você acha que podemos tirar desta obra para a literatura contemporânea?
O Quixote é daquelas raras obras que tem uma mensagem universal e atemporal. Em todas as épocas existiram pessoas que lutaram por seus ideais, mesmo em circunstâncias desfavoráveis, mesmo sofrendo ou cobrindo-se de ridículo. Bom que o fizeram! Graças aos quixotescos, a humanidade avança. Aos trancos e barrancos, mas avança.
Há alguns estudiosos que acham que se valorizou excessivamente a literatura experimentalista, como aquela do Ulisses, de Joyce, e que essa literatura fracassou, pois não atingiu o gosto do público. Quem lê Ulisses hoje em dia? Enquanto que uma literatura de Camus, de Borges, de Sartre, de Thomas Mann, que mesclam profundidade filosófica e poesia sem perder a comunicabilidade com o leitor, continuam se expandindo por todo o planeta. Concorda com essa análise? Acha que a comunicabilidade do texto ficcional é importante?
Não, não concordo. Não acho que Ulisses seja experimentalismo. Acho que se trata da forma a serviço do conteúdo. E comunicabilidade é um conceito relativo. O escritor escreve para as pessoas com as quais têm afinidade, e que podem ser poucas: Flaubert dizia que não precisava mais de cem leitores. O público destes escritores forma-se mais lentamente, ao longo do tempo, mas se forma.
Haveria, a seu ver, um certo distanciamento crescente entre alguns segmentos da ficção nacional e o grande público letrado brasileiro? O artista tem que ir aonde o povo está?
Não, não creio que tenha havido distanciamento; prova são as editoras juvenis que tem um público cada vez maior. O escritor não tem de ir aonde o público está; ele tem de seguir seu instinto, suas próprias tendências. Tem, como dizia Shakespeare, de ser fiel a si próprio.
Você é um escritor com muitos romances publicados por grandes editoras. Seria indiscrição perguntar quantos exemplares em média seus livros venderam? A comissão do escritor continua sendo 10%? Dá pra viver de literatura no Brasil?
Não costumo fazer estes cálculos mas creio, pelos números que tenho, que meus livros vendam, em média, 30 mil exemplares por título. Direitos autorais representam 10% do preço. É difícil viver só de literatura; é mais fácil viver de escrever - artigos, crônicas, roteiros. Mas quem disse que o escritor precisa viver só de escrever? Kafka era funcionário, trabalhava o dia todo e à noite produzia maravilhas.
Que sugestão daria para o Ministério da Cultura para aumentar o índice de leitura no país?
Eu investiria nos professores de literatura: treinamento, motivação - e, claro, bons salários.
Se o Ministro da Educação lhe pedisse uma sugestão, que livros de literatura tiraria do currículo escolar, e que livros acrescentaria?
Não tiraria livro algum, mas acrescentaria autores contemporâneos.
Arte & Política: Onde você se inspira para escrever seus livros?
Em qualquer coisa: um episódio da história do Brasil ou do mundo, uma pessoa que conheci, uma notícia de jornal, uma fantasia. A inspiração é importante, mas é como o motor de arranque: ele só dá a partida, não faz andar o carro. O que faz andar o carro é a técnica literária, o domínio da palavra, a disposição de contar a história.
Para você, como a TV e o cinema mudaram a sensibilidade das pessoas e em que isso afetou a literatura?
Certamente. Mudaram para melhor. Vou dar um exemplo: nos romances antigos, havia longas descrições de paisagens, de personagens. Não mais: nisto o escritor, por mais sensível e talentoso que seja, não pode competir com a câmera. Mas esta, por sua vez, não pode penetrar na mente dos personagens. Isto tornou a ficção mais intimista. Por último, os livros ficaram menores: por causa da tevê e do cinema, as pessoas têm menos tempo para ler. Mas livros mais curtos também é um avanço: exigem maior poder de síntese.
Nesse ano, em que o Quixote completa 400 anos, que lições você acha que podemos tirar desta obra para a literatura contemporânea?
O Quixote é daquelas raras obras que tem uma mensagem universal e atemporal. Em todas as épocas existiram pessoas que lutaram por seus ideais, mesmo em circunstâncias desfavoráveis, mesmo sofrendo ou cobrindo-se de ridículo. Bom que o fizeram! Graças aos quixotescos, a humanidade avança. Aos trancos e barrancos, mas avança.
Há alguns estudiosos que acham que se valorizou excessivamente a literatura experimentalista, como aquela do Ulisses, de Joyce, e que essa literatura fracassou, pois não atingiu o gosto do público. Quem lê Ulisses hoje em dia? Enquanto que uma literatura de Camus, de Borges, de Sartre, de Thomas Mann, que mesclam profundidade filosófica e poesia sem perder a comunicabilidade com o leitor, continuam se expandindo por todo o planeta. Concorda com essa análise? Acha que a comunicabilidade do texto ficcional é importante?
Não, não concordo. Não acho que Ulisses seja experimentalismo. Acho que se trata da forma a serviço do conteúdo. E comunicabilidade é um conceito relativo. O escritor escreve para as pessoas com as quais têm afinidade, e que podem ser poucas: Flaubert dizia que não precisava mais de cem leitores. O público destes escritores forma-se mais lentamente, ao longo do tempo, mas se forma.
Haveria, a seu ver, um certo distanciamento crescente entre alguns segmentos da ficção nacional e o grande público letrado brasileiro? O artista tem que ir aonde o povo está?
Não, não creio que tenha havido distanciamento; prova são as editoras juvenis que tem um público cada vez maior. O escritor não tem de ir aonde o público está; ele tem de seguir seu instinto, suas próprias tendências. Tem, como dizia Shakespeare, de ser fiel a si próprio.
Você é um escritor com muitos romances publicados por grandes editoras. Seria indiscrição perguntar quantos exemplares em média seus livros venderam? A comissão do escritor continua sendo 10%? Dá pra viver de literatura no Brasil?
Não costumo fazer estes cálculos mas creio, pelos números que tenho, que meus livros vendam, em média, 30 mil exemplares por título. Direitos autorais representam 10% do preço. É difícil viver só de literatura; é mais fácil viver de escrever - artigos, crônicas, roteiros. Mas quem disse que o escritor precisa viver só de escrever? Kafka era funcionário, trabalhava o dia todo e à noite produzia maravilhas.
Que sugestão daria para o Ministério da Cultura para aumentar o índice de leitura no país?
Eu investiria nos professores de literatura: treinamento, motivação - e, claro, bons salários.
Se o Ministro da Educação lhe pedisse uma sugestão, que livros de literatura tiraria do currículo escolar, e que livros acrescentaria?
Não tiraria livro algum, mas acrescentaria autores contemporâneos.
http://oleododiabo.blogspot.com/2011/03/arquivo-entrevista-exclusiva-com-moacyr.html
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