terça-feira, 5 de abril de 2011

Mario Prata: Dona Felicidade e o Izaías Almada

DONA FELICIDADE

Era uma vez a dona Felicidade, o seu Manuel e os dois filhos Toninho e Serginho. Tinham uma pequena quitanda no final da avenida Pompéia. Todo dia a dona Felicidade tinha que subir dois andares (a quitanda era embaixo do apartamento deles) para preparar o almoço e a janta. Subia e descia aquelas escadas todas, quase que o dia inteiro. Cozinhava bem, a portuguesa.

Até que um dia um filho sugeriu que ela trouxesse o fogão para baixo. Deu certo. Mas um velhinho aposentado passava por ali, sentiu aquele cheirinho de comida caseira e perguntou se não podia fazer uma boquinha. Mas nem mesa temos. Eu sou marceneiro, disse. Fez a mesinha e um banquinho. Mas comia com o pé para fora.



Um dia ele chegou para comer e tinha outro velhinho na mesa dele. Começava, naquele momento um dos maiores sucessos gastronômicos de São Paulo. Era o Pé Prafora. Por ali passavam quase que diariamente o Angeli, o Laerte, Glauco, Caruso, Jaguar, Rai, Reinaldo Moraes, Candinho, Aldemir Martins, Airton Soares, Sergio Antunes (que poetava: “tragam talheres, vai ter mulheres”) entre outros.

Um dia fomos informados que a família (agora já sem o seu Manuel, que Deus o tem) vendera o boteco com seus vinhos e seus bolinhos de bacalhau. Mas a tristeza durou pouco.

O trio Felicidade, Toninho e Serginho abriu um outro restaurante. Agora come-se com o pé para dentro. O lugar se chama Dona Felicidade e fica na Tito, 21.

Na festa de inauguração o seu Manuel desceu do céu para confirmar que o que ele tinha plantado anos atrás, agora era um sucesso.

Se você está achando que isso aqui é uma publicidade, acertou. Mas não do novo e belo e gostoso local. Mas sim a publicidade deste trio maravilhoso. Gente boa e honesta está ali. Assim como a bebida e a comida.

IZAÍAS:

Conheci o Izaías Almada há quase trinta anos. Ele era um promissor ator do teatro de Arena, casado com a musa da MPB Marilia Medalha e rabiscava algumas páginas.

O tempo passou, o Izaías andou sendo preso por motivos óbvios (para a época), deu a volta por cima e se ligou na publicidade. Tem até um anúncio na televisão de uma margarina onde ele é o chefe da família e conversa com o cachorro. Um de barba, lembra? Não o cachorro, mas ele mesmo.

Mas eu dizia que ele escrevia. Publicou seu primeiro romance há uns anos e eu não li porque impliquei com o título: Metade Arrancada de Mim. Achei que devia estar ainda rancoroso com o nosso passado político. Depois veio outro que se chamava O Medo Por Trás das Janelas.

Mas agora ele publicou um livro de contos e pediu para eu fazer o prefácio. Isso depois de morarmos uma temporada em Portugal, onde a amizade se consolidou.

Não pude fazer o prefácio por motivos que não cabem aqui. Mas ele me ligou humildemente pedindo para eu entregar um exemplar no Caderno 2 e batalhar uma resenha.

Pois foi na mesa do Pé Prafora (um dia antes de inaugurar o Dona Felicidade) que eu li e reli o livro nunca sentada só. Resolvi não dar para ninguém resenhar o que eu poderia e adoraria fazer. Fiquei simplesmente de queixo caído, babando JB.

Adorei não por amizade, mas por paixão mesmo. O livro se chama Memórias Afetivas (o Izaías nunca foi bom de título) e são nove contos simplesmente magistrais, todos passados num passado mineiro. Uma pequena obra-prima, sem tirar nem por.

Izaías volta ao seu passado mineiro. Sua infância e sua adolescência. A primeira experiência (que lembra Italo Calvino), as primeiras revoltas. Sexo, religião e rock and roll.

Izaías Almada, filho de portugueses como a turma do Dona Felicidade (será que ele conheceu a cidade de Almada, pertinho de Lisboa?), criado e malcriado em Belo Horizonte, esqueceu o seu passado político para mergulhar num passado muito mais bonito e encantador da sua própria vida. Tudo parece ser realidade, arrancava de estranhas entranhas.

Publicidade do livro? Pode ser. A editora se chama Mania de Livro. Mas a publicidade aqui é mesmo para o meu velho Izaías que, a partir de agora, se universaliza saindo de sua aldeia para mundo, como diria o velho russo Tostoi.

Que o Izaías não perca a mania de escrever e que eu possa sempre lhe escrever um pósfacio como este.

De barriga e cabeça feita.

PS - Um dos contos do Izaías se chama Felicidade.

http://www.marioprataonline.com.br/

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